UM PROGRAMA  EX NIHILO

Em novembro de 1998 era dado o pontapé inicial do Programa de Pós-graduação em Psicanálise do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o edital assim intitulado: 

“Abertura de inscrição à seleção de candidatos para o Curso de Mestrado em Pesquisa e Clínica em Psicanálise. Estão abertas, até 19 de janeiro de 1999, as inscrições à seleção de candidatos à primeira turma do Curso de Pós-Graduação strictu sensu em Psicanálise, a nível Mestrado, do Instituto de Psicologia da UERJ”.

Justificávamos, então, a abertura do Edital, da seguinte forma:

“Sendo a Área de Concentração PESQUISA E CLÍNICA EM PSICANÁLISE, o que se afirma é a articulação necessária, neste campo, entre teoria e prática, não acentuando o destaque a uma dessas dimensões em detrimento da outra. Nesse sentido, é necessário precisar que não se trata de um curso de formação psicanalítica – já que a Universidade não visa tal propósito –, mas trata-se de retomar a Psicanálise como objeto de estudo, o que só é possível no interior de uma articulação entre teoria e prática”.

Agora fazemos vinte e cinco anos e convidamos a todos os amigos que apostaram conosco no projeto a participarem do evento comemorativo. Será na UERJ, na casa que acolheu a proposta desde sua origem.

Se então já dizíamos que “não se trata de um curso de formação psicanalítica” porque “a Universidade não visa tal propósito”, a criação de nosso Programa estava longe de independer das orientações da Escola de Lacan – conceito que se articula desde 1964 em três sessões – a psicanálise pura, a aplicada e as conexões da psicanálise. Essas três sessões implicam que a Escola assim conceituada agencie-se de um vazio central insabido sobre o que é um psicanalista, para que a própria experiência se deposite no passe: a elaboração que a Escola pode fazer dos testemunhos das passagens de um psicanalisante a psicanalista.

Se o discurso da universidade, tal como definido por Lacan, parte do saber no lugar de agente (cf. a teoria dos quatro discursos de Jacques Lacan), o fato de a criação de nosso Programa ter estado longe de independer das orientações da Escola de Lacan implica na presença de uma direção que subverte. É ela que promove o que o discurso do psicanalista faculta: os giros discursivos e a ruptura das fixações/ficções que podem se constituir se apenas idealizamos o que pode ser sabido. O Programa de Pós-graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de Janeiro instituiu-se depois de alguma insistência e luta pelo lugar da psicanálise na universidade, por isso, ex-nihilo, e tomando as três sessões da Escola como direção, fundou-se na articulação de três eixos:

– toda pesquisa em psicanálise é clínica;

– o trabalho articulado ao campo social e às instituições de saúde, educação e justiça é íntrínseco à psicanálise que propomos transmitir na universidade pública;

– mas não sem levar em conta as importantes contribuições que as conexões da psicanálise podem fomentar, o que na universidade encontra seu campo talvez o mais profícuo.

O XVI Simpósio do PGPSA/UERJ tem por visada retomar esses três eixos, não apenas verificando os avanços feitos em cada um deles ao longo dos vinte e cinco anos, mas também promovendo-os, mais, ainda.

Quanto ao primeiro eixo, também gostaríamos muito que as escolas lacanianas do Rio de Janeiro pudessem participar da comemoração, razão de termos feito o convite a algumas, para nos contar em que medida a criação do Programa pode colaborar com os trabalhos delas e em que medida as escolas lacanianas de nossa cidade avaliam o compromisso do Programa com a teoria tanto da obra de Freud quanto do ensino de Lacan, o rigor conceitual e a ética da psicanálise nele transmitidos.

Atender ao campo social – conforme sinalizado no segundo eixo – já estava inscrito no projeto inicial, submetido à Capes em 1998 e por ela aprovado, no qual se lia, entre outras, que o atendimento do campo social é em si um “campo de pesquisa: o que pode fazer o psicanalista no campo institucional, sem ceder quanto ao rigor de sua prática?”

“Ao contrário do que se difunde no senso comum, segundo o qual a psicanálise seria eminentemente uma prática individual e individualizante, em oposição às questões sociais, para a psicanálise, o sujeito do inconsciente – radicalmente diverso do indivíduo psicofísico – é, em sua estrutura, atravessado pelo social. Não do modo como o mesmo senso comum pensa o social, ou seja, como o oposto do individual, mas como condição de alteridade, estrutural, de constituição do sujeito”.

Quanto ao terceiro eixo, o projeto inicial já observava a importancia de o Programa se inserir na universidade pois “um programa de pós-graduação e pesquisa exige a sua abertura ao diálogo interdisciplinar, produzindo conexões com outros campos de saber”. Associamos a isso a afinidade entre nossa concepção de sermos professores, psicanalistas e cidadãos, e o que se lê no próprio Plano de Desenvolvimento Institucional da UERJ: o que esta universidade “tem como missão promover e disseminar”, deve se fazer

dentro de referenciais de excelência em todos os campos do saber, mantendo um ambiente de respeito à diversidade e ao livre debate das ideias, formando profissionais capazes de constante aprendizado crítico, preparados para atuar com base nos princípios éticos e com vista ao exercício pleno da cidadania, contribuindo, assim, para o desenvolvimento sustentável da sociedade. Como Instituição pública, sua missão se baseia em princípios de igualdade e pluralidade

Por conseguinte, já afirmávamos em nosso projeto original que a direção que queríamos para o Programa “interdita que quaisquer tendências e sectarismos, identificáveis no movimento psicanalítico, venham a obturar o espírito do debate científico".

Em março de 1999 constituiu-se a primeira turma de Mestrado Acadêmico do Programa; os primeiros doutorandos ingressaram no Programa em 2007. Convidamos a todos amigos, alunos, egressos e colegas a se associarem ao nosso atual esforço em construir o projeto dos anos vindouros, lastreado tanto no que foi possível fazer até agora, quanto nas falhas que deixamos.

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